terça-feira, 29 de julho de 2008

O monstro e o carrasco

No meu velho vício de escrever textos e poesias, nunca, nem sequer no instante de uma rápida reflexão, esperei redigir uma história infantil. O curioso dessas narrativas não consiste exatamente nas suas mensagens, mas na forma como essas mensagens são cuidadosamente elaboradas por seus escritores (em uma tentativa desesperada de, um dia, se tornarem novamente criança).

Hoje, dia 28 de julho de 2008, resolvi escrever o esboço de uma dessas histórias. Quem sabe, assim, eu não possa, aos poucos, me tornar jovem, e depois, ainda mais jovem, vestir o corpo de uma criança (na sua ânsia de descobrir um mundo que ela mesma ajudou a construir)?

Se isso for verdade (com certeza será uma a partir de agora), não desejo que aconteça dentro de uma máquina do tempo que me transporte para o passado. Quero poder ser criança sem voltar a ser a que um dia já fui. Talvez, mesmo se pudesse, não seria. Mas não quero prever o que me aconteça, porque tudo já me aconteceu um dia, no futuro. Não é assim que as crianças são. Portanto, que eu seja criança somente a partir de agora. Quero ser, então, a criança que eu nunca fui (apesar de uma delas já ter sido).

Antes de mostrar uma parte da minha pequena história, gostaria de fazer algumas considerações. Não sei se você (leitor adulto, por isso agora impaciente com a desde o início anunciada narrativa) já parou para ler, depois de grande (e, portanto, chato), a literatura infantil que, um dia, tanto apreciou. Eu já o fiz, e me acredite: pensei eu ter entendido menos agora do que quando meus pais me contaram.

Vejam só que engraçado! Apenas as crianças são capazes de entender a fantasia de textos escritos por nós, adultos. Há coisas que só as crianças entendem e, em seu melhor discernimento, são gradativamente castradas. As pessoas grandes são as grandes responsáveis por tolher a inteligência das pessoas pequenas. Incutem nelas os próprios medos e fobias, não permitem que elas vivam em um mundo sem respostas, porque perigoso. Mas as crianças nos perdoam. As crianças tentam, a cada dia, educar aos seus pais (não ache que você tem filhos para ensinar alguma coisa a alguém, na verdade você também foi, um dia, ensinado a entender para, entendendo, não conseguir entender coisa alguma).

Caro e impaciente leitor, se não consegues, pelo menos por esse breve instante de leitura, se fazer criança, pare por aqui. Aquele que vos fala, a partir do próximo parágrafo, é alguém que, desconhecendo o mundo, entende mais sobre ele do que qualquer um de nós. Ele se chama Thiago, é filho de Jadson e Hermengarda, possui dois irmãos: André, o mais velho, e Natália, a do meio. Estuda na Faculdade de Direito do Recife, onde já sabem de mais, e por ele já não querer saber tanto assim, continua por lá para fazer perguntas óbvias (portanto, irrespondíveis), irritando e educando aqueles que se dizem seus professores. Escreverá esse trecho quando criança, aos mais de 20 anos de idade. Não liguem suas constantes ironias, peço perdão pelo mesmo, desde já.

“Era uma vez um monstro que não chegava a ser feio, mas também não tão bonito. Ele não tinha várias cabeças, nem uma cor diferente das que são encontradas por aí. Fisicamente, não era estranho (pelo menos não o suficiente para ser considerado um monstro a quem se deve temer).

Seus olhos eram castanhos, assim como o seu cabelo. As vezes usava uma barba mal-feita, as vezes não. Era magro e baixo, mas nunca se incomodou com isso. Na adolescência teve espinhas, como todos os outros, mas em maior quantidade.

Apesar da sua aparência comum, ele era mal, muito mal. Não se escondia em uma caverna ou em um buraco, ainda que não tivesse nada contra cavernas e buracos. Visitava alguns amigas e amigos nesses lugares.

Mas, se não se pode dizer que ele era feio ou exageradamente forte, porque monstro, afinal? Apesar de não ser dotado de aparentes grandes poderes, imagine você que ele não temia o mais cruel dos sentimentos que, um dia, já se guardou por alguém: o amor!

Saía por aí, conversando com as pessoas, conhecendo gente nova, veja que absurdo! Não tinha nenhum receio de se apaixonar por elas, e nem pedia que elas a amassem de volta. Se amasse mais, não pedia troco; se amasse menos, não se sentia um devedor. Não sentia culpa por amar o outro, nem mesmo tentava explicar a todo custo o que sentia (como se não devesse explicações do inexplicável). As vezes nem mesmo ele sabia o que sentia, e não se importava. Ao contrário, vivia.

Até hoje, do maior monstro da história da humanidade, só se sabe isso: ele as vezes amou, as vezes foi amado. As vezes amou e foi, também, amado. E amou porque foi amado e era amado porque amou. Sem preocupações, apenas vivia na espera de um novo amor acontecer, cuidando dos mais antigos e desgastados. E tentava fazer com que os outros amassem, se não a ele, a um outro alguém.

O seu maior crime foi dizer, sem vergonha das palavras: “eu te amo!”. Com isso ele enganou, com isso ele foi enganado. Mas, para ele, tanto fez. Morreu como havia de morrer: rodeado de bons amigos e amores inacabados. Sua pena foi póstuma, porque, enquanto vivo, nunca permitiu que, por amor, lhe penalizassem: os juizes proibiram-lhe que seus amados lhe enterrassem, os sinos da Igreja não foram badalados. É considerado um monstro não porque amou, mas porque foi, assim, julgado.

Desde então o amor foi proibido em lei e seus autores devidamente enquadrados no código penal vigente. Alguns poetas tentaram, então, a revolução armada. Foram todos executados pelos fuzis da ditadura.

No epitáfio daquele monstro, se pode ler, como um exemplo indigno de ser seguido “jaz, nesse túmulo, Thiago Cavalcanti. Morreu sorrindo, assassinado por um de seus amores. Amou, também, o seu carrasco”.”

FIM

Aos carrascos que me amaram e aos juizes que fizeram de mim um monstro, dedico a minha primeira história infantil

3 comentários:

.Maria. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
.Maria. disse...

"Não tinha nenhum receio de se apaixonar por elas, e nem pedia que elas a amassem de volta."

Ah, o Amor unilateral...
Sentimento recorrente a todos, nem que seja uma única vez!

mensageiro dos ventos disse...

que carol tu és?