domingo, 29 de junho de 2008

Faculdade de Direito do Recife,

talvez não mereças a poesia que te dedico. És tão tímida e pequenina que exiges de mim certo esforço literário para que caibas em uma. Ou não percebes as grades que te separam do mundo aqui fora? Para que te serve aquela sala cheia de espelhos, agora tão empoeirada, se não enxergas neles a tua imagem própria?

Vista de cá, mal sabes como és feia. Pena que és, também, tão narcisista. Gostaria, um dia, de te levar para passear. Poderia te apresentar aos meus amigos. Conhecer novos rostos te faria, com certeza, muito mais bela. Não, não tenhas medo deles! São velhos camaradas. Pode parecer estranho, mas eles não se vestem assim, engravatados (como aqueles que se dizem teus professores). Andam descalços e sobrevivem de esmola, porque foram roubados. Mendigam sem saber que, aquilo que pedem, na verdade, lhes pertence. A maioria deles possui rostos pintados de cores que jamais olhaste. Sonho com o dia que não lhes levarão para te visitar, como se freqüentassem uma casa que não lhes pertence. Gostaria que eles pudessem morar aí contigo; mas isso, porém, sempre lhes negaram.

Lembro da primeira vez que me vi aí, dentro de ti. Tua arquitetura imponente me fez sentir-me tão pequenino (assim como eu, hoje, te acho). Então voltei mais vezes e vi que, na verdade, para isso fosses feita. Para eu me sentir pequeno diante de um direito que não é meu (nem dos companheiros que nunca, em teus domínios, sequer pisaram).

Que direito passa por ti? Porque não achas que é direito o que se faz aqui fora? E Porque te dizes pública, afinal?

Na verdade, te prostituíste. Deixasse que usassem teu corpo para continuar oprimindo os que nunca te adentraram. Agora és coisa e, na condição de coisa, não podes permitir que todos tenham a ti acesso: essa é a lei do mercado. Estás jogada nas mãos de poucos. Ofereces a eles teu status, e assim te valorizam. És, para eles, moeda de troca. Em breve, eles não mais precisarão de ti, e te entregarão aos oprimidos, como esmola.

Por isso, quero dizer, ainda que agora não me ouças: as grades que te separam do mundo não te protegem. Tuas grades tornam-te fadada à autofagia. Mas pessoas aqui fora não permitirão que te destruas. Elas te estenderão as mãos, mas não para ocuparem esse espaço de hegemonia: querem elas destruir teus portões, apagar essa linha invisível que te divide do mundo. Estarão aí dentro mesmo que daqui de fora, porque inexistirão esses conceitos...

E só então te farás bela!

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Versos inacabados

Inexistem versos sem rima. Inexistem rimas de um só verso. Versos ecoam pela poesia e profetizam versos outros. E apenas assim se fazem versos. Mas alguns versos não se sabem versos. Dizem de si, “apenas palavras”. Mal sabem que palavras são versos que ainda não se reconheceram versos (porém, sem saber que rimam, já o são).

Nós, homens e mulheres, somos, também, versos. Versos construídos por versos próprios e por versos outros. Não somos pertences nem alheios de nós mesmos, porque versos. Versos que anunciam versos. As vezes, assim como os versos, nos dizemos sozinhos. Mas não nos saberíamos sozinhos, sem o outro. Preciso de alguém para me sentir só. Se esse alguém inexistisse, não me sentiria.

Estamos juntos, portanto. Somos versos que rimam ainda que sem rimar, num eterno encontro e desencontro de nós mesmos. Sei de mim o que sei sobre o mundo, e tento abraça-lo forte, abraçando a todos para poder me abraçar.

Já somos versos! O que nos falta é ser poesia...

domingo, 22 de junho de 2008

O tempo e a perfeição













Início de um novo relacionamento. Sinto-me bem, como nunca me senti antes, exatamente como lembro ter ocorrido da vez passada. Agora é diferente, porém. Afinal, aquela foi a primeira vez que eu vivi o melhor dia da minha vida. Hoje, entretanto, isso aconteceu novamente. Abri uma exceção e não esperei que deus me despisse desse corpo para viver um novo dia perfeito. E isso é estranho. Sempre achei que a perfeição não poderia ser metaforizada, aferida comparativamente; afinal, a perfeição é perfeita, única, tal como só ela sabe ser. Deixo-me agora ver as imperfeições desse velho conceito. E isso me dói, um pouco. Vivo, hoje, um novo dia que digo: “perfeito”. Mas não perfeito como antes. Viver a perfeição, agora, me parece mais perfeito que já tê-la vivido há algum tempo atrás. O que me dói, no fundo, não é saber que aquele dia não foi perfeito, apesar de dito; é saber que amanha o meu hoje pode não ser tão perfeito como hoje me parece.

Ainda assim, te afirmo: hoje me pareces perfeita, perfeitamente, a mais perfeita das perfeições. Mas sei que não serás assim para todo o sempre. Amanha o nosso dia perfeito já haverá ocorrido e o tédio me fará perceber em ti pequenos defeitos. Algumas dessas imperfeições serão fruto das minhas próprias; para mim, quando ocorrerem, porém, lhe pertencerão exclusivamente. Sei que não és um conceito. Procuras em mim, assim como eu em ti, um pouco de paz de espírito. Mas não quero que caibas em meu sonho, simplesmente. Ao contrário: quero, contigo, construir o nosso; fazer do seu, também o meu.

Se o futuro a Deus pertence, amar é roubar dele o nosso.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O gestante

O amor é o idioma universal de todos os poetas. Nem o mais inerte dos parnasianos conseguiu omiti-lo de seus incompreensíveis e rebuscados versos alexandrinos. Aquele que ama foge da mediocridade burocrática e da palavra prescrita, do sentido absoluto atribuído pelos poderosos à metáfora da vida (tão efêmera que não conseguimos segura-la com os próprios braços; ela simplesmente se vai, sem dizer adeus, junto com flores desbotadas e algumas lembranças longínquas). Quero amar, portanto. Não venho anunciar, porém, a minha vontade tão explícita. A publicidade, para isso, não me é útil. Não possuo um produto acabado que quero, aqui, leiloar. Não! O amor não é uma propriedade. O amor que sinto pelo mundo já não me pertence: foge pelos ares, liberto como a vida. Por isso, quero amar. Por um tempo até pensei ter esquecido de tal método cartesiano infalível que faz o amor despertar. “Que bom”, penso eu, agora. Não quero prever como o amor me aconteça. Quero um amor que quebre a métrica da minha própria poesia e quero que ele nasça de um parto normal; imprevisível, ainda que tão esperado.

Estou grávido, acredito.